O
assassinato de George Floyd, nos EUA, a derrubada da estátua do traficante de
africanos escravizados Edward Colston, na Inglaterra, e o movimento do Black
Lives Matter criou um ambiente para discutir um assunto imperativo: o impacto
do racismo e da desigualdade na organização das sociedades. O assunto sempre
esteve no radar dos movimentos sociais, na agenda d@s historiadores da África,
do tráfico transatlântico e da escravidão, mas a repercussão social e política
permitiu que o tema ganhasse relevância midiática. Decidimos começar fazendo o
dever de casa, questionando como Salvador lida com as memórias da escravidão e
do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas. Esse esforço coletivo
resultou na construção do site SALVADOR ESCRAVISTA, um repositório de
informações sobre os espaços da cidade que preservam a memória dos traficantes
de escravos e outros personagens ligados à escravidão brasileira. Como trabalho
coletivo, novos verbetes serão incorporados ao site nas próximas semanas.
Esperamos que o site SALVADOR ESCRAVISTA também seja usado nas escolas da rede
pública e privada de ensino nos níveis fundamental e médio como uma ferramenta
educacional para o ensino de História. Naveguem pela página, façam sugestões
sobre outros espaços que merecem inclusão no site. Esse é um trabalho
colaborativo. Façamos juntos.
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Sobre o projeto
Salvador
foi o segundo maior porto de desembarque de africanos nas Américas durante a
vigência do comércio transatlântico de pessoas escravizadas. Navios negreiros
da Bahia carregaram cerca de um milhão, trezentos e cinquenta mil mulheres,
homens e crianças que, aprisionados e escravizados, experimentaram a traumática
travessia do Oceano Atlântico, segundo estimativas recentes. Algo em torno de
150 mil pereceram durante a travessia. No final, aproximadamente um milhão e duzentas
mil pessoas chegaram com vida à Bahia.
O
trabalho forçado dos africanos escravizados e seus descendentes está
indelevelmente marcado nas ruas, prédios públicos e privados, igrejas e outros
espaços da cidade de Salvador. O setor de venda de alimentos funcionava pelo
braço africano, assim como o setor de transporte de mercadorias e de pessoas
entre as ruas e ladeiras da Cidade da Bahia. Serviços mais especializados, como
de sapateiros, barbeiros, marinheiros, e ferreiros também eram realizados por
gente escravizada. No interior das residências, as mulheres negras atuavam em
serviços domésticos variados, às vezes cumprindo dupla jornada, no interior das
residências e nas ruas da cidade.
O negócio
de compra e venda de seres humanos enriqueceu muita gente. Na Baía de
Todos-os-Santos, traficantes portugueses e brasileiros organizaram expedições
escravistas à África – mais de quatro mil durante a era do tráfico de
africanos. Fortunas foram erguidas com o braço cativo, que construía navios,
plantava, minerava, coletava produtos das matas e pescava. Mesmo após o fim
definitivo do tráfico de africanos, em 1850, a escravidão continuou em
território nacional até 13 de maio de 1888, sendo a última nação das Américas a
decretar o seu fim.
Apesar
desse infame histórico, Salvador é, ainda hoje, pontilhada por homenagens a
traficantes de escravos, 170 anos após a extinção do tráfico e 132 anos depois
da abolição formal da escravidão. O imenso poder econômico e político desses
homens converteu-se em poder simbólico. Sua memória passou para a posteridade
como grandes benfeitores, homens de negócio, empreendedores. Foram homenageados
com nomes de ruas, estátuas e praças públicas, ocupando lugar privilegiado no
patrimônio urbano em conjunto com outros símbolos de dominação colonial.
Pessoas que defenderam até o último momento a continuidade da escravidão dão
nome a artérias importantes da cidade. Há um aspecto em comum nessas honrarias:
nelas não se encontram informações sobre a participação dos homenageados nos
projetos de dominação e exploração no qual desempenharam papel ativo. Um dos
propósitos do site SALVADOR ESCRAVISTA é oferecer subsídios históricos que
possibilitem uma melhor compreensão sobre o papel desses indivíduos no
desenvolvimento de uma sociedade marcada pela desigualdade e pelo racismo. Para
saber mais sobre essas histórias acesse a seção HOMENAGENS CONTROVERSAS.
A memória
pública é uma construção social em permanente conflito. Como um campo em
disputa, as ruas da cidade também foram batizadas com os nomes de personagens
históricos que enfrentaram as estruturas escravistas, bem como de eventos que
simbolizam marcos de lutas pela liberdade e pela cidadania. Com o objetivo de
valorizar essas homenagens e tornar essas histórias mais conhecidas criamos a
seção HOMENAGENS REPARADORAS.
Mas a
memória também é feita de esquecimentos. Espaços que em outros tempos foram
marcantes para as populações escravizadas e seus descendentes como lugares de
luta, dor ou celebração, acabaram sendo encobertos por novas camadas de concreto
ou de significados. É também intuito desse site fazer com que sejam
continuamente lembrados. Aqui eles podem ser encontrados na seção LUGARES
ESQUECIDOS.
Acreditamos
que a conservação de determinadas homenagens no espaço público, do modo como se
encontram, acabam por perpetuar valores contrários aos ideais professados pela
própria Constituição brasileira, que elege entre seus valores supremos a
igualdade e a justiça. O itinerário para uma sociedade mais igualitária e justa
se apresenta em variadas formas. Uma delas, certamente, é através do direito à
cidade e da construção de uma memória pública mais plural e democrática. O
projeto SALVADOR ESCRAVISTA busca promover saberes históricos em afinidade com
esses valores e com a difusão do saber acadêmico.
Nesse
sentido, SALVADOR ESCRAVISTA pretende também contribuir para o ensino de
história nos níveis fundamental e médio, servindo como uma ferramenta de
pesquisa sobre a história de Salvador relacionada ao impacto da escravidão na
sociedade soteropolitana, representada, entre outros aspectos, pelas homenagens
em estátuas, prédios e nomes de ruas. Os locais estão identificados no site na
seção “MAPA” através de marcadores e verbetes. Cada um dos verbetes será
acompanhado por textos curtos de especialistas. Nesses textos teremos a seção
“Para saber mais”, com indicações de leituras para aqueles que desejarem
aprofundar o conhecimento sobre determinados temas.
SALVADOR
ESCRAVISTA é um projeto colaborativo que conta com a participação de
especialistas em diversas áreas: história da África, comércio transatlântico de
pessoas escravizadas, escravidão atlântica e pós-abolição nas Américas etc.
Sendo um projeto colaborativo e mutável como o assunto de que trata, novos
conteúdos serão adicionados futuramente ao site. Para perguntas, sugestões e
informações, favor entrar em contato através do e-mail ssaescravista@gmail.com.
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