Local
está sujo, sem ar-condicionado e jornais; pesquisador fez carta ao governador.
Foto: Maria Silva/Correio
Primeira
biblioteca da América Latina; dona de uma história de 207 anos; detentora de um
acervo de mais de 600 mil arquivos – mais de 150 mil livros. Sobrevivente a
incêndios, bombardeios, roubos e mudanças de sede. A Biblioteca Central do
Estado, antes Biblioteca Pública do Estado, é tudo isso. Agora, ela enfrenta
outro momento sombrio: sem grandes investimentos, falta limpeza, climatização e
até jornais diários.
A
situação não é nova, mas voltou à tona na semana passada, depois que o
jornalista Claudio Leal divulgou, nas redes sociais, uma carta
pública endereçada ao governador Rui Costa. No texto, Claudio denuncia
as condições da biblioteca – que vão desde o que chama de ‘desertificação’ do
setor de periódicos, onde ficam os jornais diários, até as más condições de
limpeza.
“São
quase dois anos de incúria, de estúpida austeridade e de grosseria contra
leitores e pesquisadores. Um ato de desprezo à memória histórica da Bahia”,
diz, na carta. Segundo ele, os banheiros têm cheiro de urina e os mictórios são
‘podres’, mas refletem um descaso que vêm atravessando mandatos e partidos
políticos.
ACESSE NA
ÍNTEGRA:
Um
problema histórico!
Há muito
que sabemos da atual situação dos Arquivos
e Bibliotecas públicas pelo Brasil. Em muitos estados se quer existe um
arquivo, e quando existem não recebem a atenção devida por parte dos
governantes. Essa história se repete, e não é de agora. A matéria publicada no
Diário de Notícias de 1905, demonstra o quanto esses espaços são esquecidos
pelo poder público.
Arquivo e
Biblioteca
Não há
povo amante de seu passado, de suas conquistas liberais e de suas tradições
históricas, que não zele com especial carinho o arquivo onde se guardam os
documentos de sua evolução e de sua independência. Não há governo,
mediocremente consciente de seus deveres morais que não olhe com interesse para
as bibliotecas onde os adultos de todas as classes sociais vão completar a sua
educação mental, e os especialistas costumam encontrar os elementos
indispensáveis ao desempenho da vocação com que os dotou a própria índole
espiritual e lhes apurou o meio em que surgiram.
Sem os
arquivos, sem as bibliotecas perderiam os indivíduos e os povos, perderia a
humanidade inteira o senso da continuidade histórica, que é o
fundamento mesmo da civilização, porque é justamente o laço que prende o
passado ao presente, preparando o futuro.
Os
arquivos e as bibliotecas nacionais, além de serem um patrimônio que as
gerações se transmitem, representam o maior fator da progressividade em todas
as manifestações da atividade humana. Recolhendo a seus arquivos e as suas
bibliotecas os tesouros espirituais da mentalidade greco-romana, puderam os
claustros salvar do naufrágio da barbaria medieval as mais belas conquistas do
humano intelecto, facilitando o extraordinário movimento darenascença,
que veio reatar o fio partido da evolução cultural da humanidade, restaurando
nos anais de seu progredir aquela continuidade histórica, a que aludimos acima,
e sem a qual os acontecimentos perderiam a sua natural concatenação.
Pois bem.
Nós também possuíamos aqui nesta antiga metrópole da inteligência e da
civilização brasileira um arquivo e uma biblioteca, cuja utilidade os governos
compreendiam e de cujos serviços podem dar eloquente e inequívoco testemunho
aqueles que os frequentavam e neles cultivaram as faculdades do seu espírito.
Sim, nós também os possuíamos!... mas que é feito deles?
Fale por
nós, na linguagem verdadeira e expressiva do laconismo oficial, a mensagem do
Sr. Dr. Governador do Estado, na mais triste, na mais vergonhosa, na mais
acabrunhada das informações:
“Estes
dois antigos monumentos, que guardam os mais preciosos documentos da nossa
história e cultura intelectual, acham-se em deplorável estado: o
primeiro porque, abatendo parte do teto do edifício, em que está
instalado, viu-se a sua administração obrigada a remover, confusamente,
para salvar de total prejuízo, o seu precioso material, e a
Biblioteca, porque, retirada por força maior do consistório da Igreja Catedral,
(vai por cerca de 6 anos!) ainda não foi reinstalada,achando-se a sua
grande e rica livraria amontoada em um dos cômodos do pavimento inferior do
Palácio do Governo”.
Informações
oficiais desta natureza são por demais expressivas e dispensam quaisquer
comentários de terceiros. Na que acabamos de ler e reproduzir, se encontram,
nos próprios termos em que foi vazada, a seca narração de tão deplorável e
vergonhoso acontecimento, e a condenação consequente do crime
administrativo que ele representa. No entretanto, da censura que o
fato provoca estão isentos os representantes da opinião, aqueles que, pelas
circunstâncias anormais a que chegamos, simbolizam a única voz desinteressada,
mas pouco ouvida, do povo sofredor e desprezado. Referimo-nos aos jornais desta
capital, referimo-nos especialmente a este Diário que mais de
uma vez levou aos ouvidos surdos do governo trans ato as queixas do povo, as
reclamações dos estudiosos e os protestos veementes de sua justa indignação.
Que
pretende fazer, diante disto, o Sr. Dr. José Marcelino de Souza? Um homem de
responsabilidade, um governador não denuncia á opinião uma ocorrência de tanta
gravidade sem providenciar com máxima presteza no sentido de sua correção. É
este o seu dever, e
sua
excelência parece havel-o compreendido, a julgar pelas seguintes palavras da
mensagem:
“Quanto
ao Arquivo já providenciei para os reparos do edifício, afim de ser tudo
reposto em seu competente lugar; e sobre a Biblioteca estou com todo cuidado,
empenhado em reinstala-la, convenientemente, o que já não foi possível por
falta de edifício apropriado.”
Oxalá
tudo isto se verifique!...
Jornal
Diário de Notícias, Bahia, quarta-feira, 19 de abril de 1905.
FONTE: Biblioteca
Pública dos Barris, setor de jornais e revistas raras.
ACOMPANHEM
ESSA LONGA HISTÓRIA:
Mentiras
Oficiais
Qualquer semelhança, não é mera coincidência
Arquivo Público da Bahia sofre com falta de manutenção
Qualquer semelhança, não é mera coincidência
Arquivo Público da Bahia sofre com falta de manutenção