EDITORIAL
Antonio
Luigi Negro
Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
Salvador, BA, Brasil. rbh@anpuh.br
Assim
como a Anpuh, a Revista Brasileira de História (RBH) apoia a rejeição da escola
sem partido. Os motivos são simples e remetem à nossa História.
Em seu
livro Machado de Assis, Historiador, Sidney Chalhoub analisa a ideologia
senhorial da escravatura detendo-se na personagem de Estácio, criada pelo
brilhante escritor negro. Herdeiro de seu pai morto, cabe a Estácio cumprir a
vontade patriarcal expressa em testamento. Operando com a hegemonia cultural de
homens livres brancos - proprietários membros de boas famílias, em geral donos
de escravos e escravas -, Estácio é incapaz de relativizar valores e perceber
diferenças. Toda diferença perante sua vontade senhorial é, pois, entendida
como provocação, desobediência, indisciplina, desvio, doença ou rebeldia. Ao
repicar o bordão "minha família, minhas regras", a escola sem partido
vem, em nome de sábios homens brancos, afirmar a primazia do particular, do doméstico,
o domínio do arbítrio privado, onde abuso e violência campeiam impunes e
soltos, dada sua proximidade com a prática do estupro, da agressão, da mentira
e da tortura. Em nome da defesa de sua cultura - que lhes é específica mas
afirmam ser válida para todos -, põem em risco a igualdade da cidadania,
difícil e histórica conquista numa sociedade, como a nossa, de desigualdades
duráveis, desigualdades seculares.
Por sua
vez, em O Estado Novo, Maria Celina Soares D'Araujo disseca o motivo pelo qual
é autoritária uma proposta que afirma o apolítico - o apartidário - como
adequado. Desdenhando a sociedade civil (vista como praça de desentendimentos,
de diferenças aberrantes, de confusão permanente), o Estado Novo, ao decretar
um Brasil sem partido como solução para o bem-estar e o desenvolvimento,
recorreu à força para suprimir outras formas de pensar e agir. O fim da
diversidade foi a extinção da política, da sociedade civil. A lei e a mordaça,
a perseguição e a polícia calaram - prenderam e arrebentaram - a pluralidade
social. Congregando a egrégia escola da família com Deus pela liberdade e a
propriedade (vide editorial de O Globo em favor do término do ensino público
superior gratuito), projeta-se uma efetiva ameaça à igualdade e à democracia.
Tanto a sinopse quanto a trama do filme são notórias e sinistras.
A RBH é
um periódico de acesso livre domiciliado na SciELO e no DOAJ. Aberta a autorias
e às leituras as mais variadas, não postula uma História contada a partir de
uma versão consagradora do Estado nacional, por ser a cidadania quem constitui
a pátria (e não o contrário).
Montado
a partir da publicação avançada de artigos, este número 72 veio a lume
gradativamente. Ao ser fechado, sua pauta tem nove artigos e três resenhas.
Quatro artigos compõem o dossiê "Perspectivas recentes da História
Medieval no Brasil", organizado por Marcelo Cândido da Silva e Néri de
Barros Almeida (vide sua Apresentação).
O
"Crime da miscigenação", de Luciana Brito, discute como o caso
brasileiro foi apropriado pela elite branca estadunidense, interessada, no
pós-abolição, em dar vida durável a ideologias de supremacia branca e
segregação racial. Não por acaso, o Brasil vira exemplo de atraso e
degeneração, o que aviva as políticas segregacionistas nos Estados Unidos.
No
artigo sobre a política externa equatoriana durante a Guerra do Pacífico
(1879-1884), Claudio Figueroa analisa o papel de reivindicações territoriais no
conflito, as quais declaravam defender o interesse nacional. O autor mostra
como o Equador, que não foi um país beligerante, buscou redefinir sua fronteira
com o Peru.
Com
"Sou escravo de oficiais da Marinha", álvaro Nascimento situa a
Revolta da Chibata no contexto do pós-abolição. O autor descreve os problemas
enfrentados pela marujada, mormente negra (enquanto o oficialato era branco),
nas décadas seguintes a 1888, detendo-se na insurgência contra castigos
corporais que, em 1910, eram usados em nome do disciplinamento.
No seu
esboço biográfico sobre "Miranda", codinome de Antônio Bonfim,
secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro de 1934 a 1936, Raimundo
Moreira, com base em pesquisa de fontes inéditas, discute sua trajetória e
formação como militante e sugere uma reavaliação de sua biografia.
Em
"Sou ainda uma Brazilianist" Barbara Weinstein questiona essa
categoria. Nos anos 1970, o termo "brasilianista" rotulou o
estrangeiro que estudava o Brasil. Nascido no contexto da Guerra Fria e do
nosso regime militar, invocava uma figura com orientação política específica.
Mudanças no mundo acadêmico, lá ou aqui, complicam esse indicador de
"lugar" de quem faz pesquisa.
Nas
três resenhas deste número, está mais uma vez indiciado o fato de não ser a RBH
uma revista paroquial. Uma autora atua na Inglaterra, um livro resenhado foi
publicado fora do Brasil e outro resulta de uma tradução. Isso significa
circulação e comunicação através de fronteiras estabelecidas. Lamentavelmente,
até onde a vista alcança, nada disso é levado em conta quando se faz uma
avaliação. Mantém-se aqui o pioneirismo do número 69, que publicou
simultaneamente em português e inglês todos os seus artigos. Não são todos os
periódicos que fazem isso. Também vale a pena notar que três autorias de
artigos atuam fora do Brasil.
A RBH
agradece a quem se envolveu com seu labor e engenho, voluntário, gratuito, ou
não. Pablo Serrano e Deivison Amaral concorreram positivamente como assistentes
editoriais, com entusiasmo e afinco diários. Armando Olivetti, Eoin O'Neill,
Flavio Peralta e Roberta
Accurso prestaram serviços profissionais de grande qualidade.
Deplora-se
a queda, via golpe, da presidenta Dilma Rousseff.
Gravam-se
aqui penhorados agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em História,
Cultura e Práticas Sociais da Universidade do Estado da Bahia (PPGHCPS-UNEB), e
também ao CNPq.