Por Nelson Cadena
A
Fundação Pedro Calmon, em parceria com o IGHB, dentro do projeto Biblioteca
Virtual Consuelo Pondé, disponibilizou para pesquisa a coleção de O Alabama, um
emblemático jornal redigido por afrodescendentes que circulou na Bahia entre
1863 e 1883 e não até 1890 como dito na apresentação da coleção digitalizada.
De fato, houve outros Alabamas, um de 1887 e outro de 1890, sem nenhuma
identidade com o original, esse último monarquista assumido em tempos de
República.
O
Alabama surge em 1863 por iniciativa de Aristides Ricardo de Santana, José
Marques de Souza e Francisco Alves da Silva Igrapiuna, esse também redator de O
Echo do Norte, periódico alinhado com o partido liberal que estreou em 7 de
setembro de 1864. Os três constituíram tipografia própria, apenas registrada em
2/6/1866, mas de fato funcionando desde 16/2/1864. Antes disso, o periódico foi
impresso na oficina de Domingos Guedes Cabral, redator de O Interesse Público e
que recém tinha saído da cadeia, após amargar quatro meses de prisão por
suposto crime de imprensa.
Estreou
o jornal em pequeno formato, o seu estilo semelhante ao de A Marmota e à Nova
Marmota, desses herdou a seção Lá Vai Verso, onde o redator fazia crítica de
costumes em versos de quatro estrofes e fustigava desafetos e inimigos, e era
também um dos canais de denúncia do periódico. Incomodou o status quo desde o
início, tanto que, no mês seguinte, surgiu O Mohican (moicano) com o único
objetivo de “dar caça” a O Alabama e que não prosperou.
O
Alabama era a representação de um navio fundeado na Baia de Todos os Santos,
Salvador, chamada de cidade de Latranópolis, numa alusão aos larápios que
prometia combater no seu editorial de apresentação. Em torno dessa identidade
criou personagens: o capitão, o guarda-marinha Guilherme, um imediato e até um
capelão. O nome era uma provável alusão ao Alabama, navio pirata confederado,
assim denominado pela mídia, que botou a pique, justamente nesse ano de estreia
do jornal, vários barcos de bandeira americana no litoral do Norte-Nordeste,
inclusive na Bahia. Efeitos da Guerra de Secessão nos mares da América do Sul.
A
importância de O Alabama está no fato de ser uma das melhores fontes para
identificar os terreiros de candomblé da época, cujas atividades o periódico
descrevia em tom denuncista, com minúcia de detalhes; alguns trabalhos já foram
escritos a respeito, desde os estudos pioneiros do brasilianista Dale Graden em
1997. Para exemplificar, o jornal menciona em sua edição de 18/2/1864 o
candomblé do Engenho Velho, no Terreiro da Casa Branca de Mãe Maria Julia.
Segundo o periódico, uma mulher de nome Teófila teria sido surrada no local por
não cumprir suas obrigações de santo. Não é possível precisar se o jornal se
refere a Maria Julia Figueiredo (Mãe Pequena) ou a Maria Julia da Conceição,
sabe-se que ambas disputaram o comando do Terreiro da Casa Branca e essa última
abriu dissidência fundando o Terreiro do Gantois.
Mas
O Alabama é sobretudo uma fonte valiosa para quem quer aprofundar estudos numa
área de pesquisa pouco explorada: a luta por espaço e ascensão social, na
Bahia, entre os negros e mulatos baianos e
negros africanos. Luta essa patente na formação de irmandades que se
excluíam mutuamente, atividades laborais com reservas de mercado e outros
impasses de ordem sociológica. O jornal representava o primeiro grupo e daí a
sua postura editorial aparentemente contraditória, pela origem afrodescendente
de seus redatores, mas afinada com a sociedade burguesa a que os mesmos
pertenciam e o entendimento dela dos valores da “civilização”, na construção de
uma sociedade espelhada num modelo ocidental. Defendia as mudanças aos trancos,
mas sem barrancos.
ACESSE A FONTE: Jornal Correio
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