Mausoléus escondem azulejos do século XVIII na Igreja do Pilar


Gildo Lima / Agência A TARDE
Confirmando a máxima segundo a qual “os mortos comandam os vivos”, os mausoléus dos casais Antônio Teixeira Cesimbra/Joanna Marques Figueredo Cesimbra e Maria Emília Barros Ferreira/Francisco Ambrósio Ferreira, implantados respectivamente em 1876 e 1899 na nave da Igreja de Nossa Senhora do Pilar em Salvador (inaugurada em 1745), não serão transferidos para o cemitério anexo ao templo como planejava  o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia.
O Ipac, que finaliza ampla reforma na igreja, queria remover as sepulturas pelo fato de elas estarem cobrindo parte do belo painel de azulejos portugueses do século XVIII, em uma das paredes da igreja,  tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em 2008, o Instituto fez  publicar, em jornais de Salvador, avisos convocando parentes dos falecidos há quase 200 anos para que procurassem o órgão e procedessem a remoção dos restos mortais, caso contrário isso seria feito de qualquer maneira pelo Ipac, que obteve, inclusive, o aval do então cardeal arcebispo de Salvador dom Geraldo Majella Agnelo. Ninguém se apresentou como responsável pelos ossos. Contudo, ao consultar a Procuradoria Geral do Estado, a direção do Ipac recebeu a recomendação de não perturbar o descanso dos mortos, deixando tudo como havia sido acertado entre as famílias dos defuntos e a irmandade da Igreja do Pilar que permitiu a construção dos mausoléus na nave.
Descanso tranquilo - O sepultamento em “solo sagrado” era prática comum na Bahia nos séculos passados. Equivalia para o católico a uma espécie de garantia de que seu corpo descansaria na eternidade sob a proteção da igreja à espera da “ressurreição dos corpos”, como promete o Evangelho de João.
Para sepultamentos na parte interior das igrejas, além do defunto ser católico, deveria deixar em testamento certa quantia em dinheiro ou bens para a irmandade que dirigia o templo. Muitos historiadores funerários como o francês Philippe Ariès qualificam essa prática como verdadeiro “contrato de seguro” feito entre viventes e a igreja.
Por questões sanitárias e de higiene, os sepultamentos deixaram de ser feitos nas igrejas da Bahia, principalmente no século XIX. Nesse aspecto, a Igreja do Pilar inscreveu seu nome na história da arquitetura sacra: foi o primeiro templo católico de Salvador a construir um cemitério anexo, em 1799, justamente para evitar os enterros dentro da igreja.
Isso  torna mais significativo o caso das sepulturas das famílias Cesimbra e Ferreira. Já existia um cemitério anexo ao Pilar e, mesmo assim, ergueram-se os mausoléus relativamente grandes em altura. O da família Cesimbra possui dois metros e meio, o da Ferreira, três metros. Outra raridade é o fato de serem sepulturas verticais, quando o mais comum é a campa horizontal, no piso da igreja.
O painel de azulejos coberto pelos túmulos não tem autoria certa. Sobre eles, o historiador Carlos Ott arrisca-se apenas a dizer que devem ter sido colocados “pouco antes de 1790”. Em estilo rococó, os azulejos parecem ter sido encomendados na famosa oficina portuguesa de Juncal.